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quinta-feira, 3 de março de 2016

Contrato de seguro: seguradora não é obrigada a cobrir subtração de bem por apropriação indébita se a apólice cobre somente furto ou roubo

- Por Vitor Guglinski

Ao analisar questão envolvendo contrato de seguro travado entre uma sociedade empresária e uma seguradora, a Quarta Turma do STJ entendeu incabível a indenização securitária à espécie, uma vez que tratava-se de hipótese em que a ex-empregada da segurada reteve o veículo a esta pertencente, do qual tinha a posse autorizada, uma vez que sua ex-empregadora não promoveu o pagamento das verbas rescisórias atinentes ao contrato de trabalho, evidenciando a prática de exercício arbitrário das próprias razões, bem como de apropriação indébita, mas não furto ou roubo, que, no caso, eram os eventos cobertos pelo contrato de seguro.

Eis o noticiado no informativo nº 497 do STJ:

EMENTA: Quarta Turma - CONTRATO DE SEGURO. VEÍCULO. COBERTURA.
Na espécie, a empresa segurada (recorrente) celebrou contrato de seguro de veículo com a seguradora (recorrida) cuja apólice previa cobertura para furto e roubo. Ocorre que uma ex-empregada da recorrente que tinha a posse do veículo segurado (porque fazia uso autorizado dele) recusou-se a devolvê-lo à empresa, ao argumento de ausência de pagamento das verbas rescisórias pretendidas. Após infrutífera ação de busca e apreensão do bem junto à ex-empregada, a segurada formalizou pedido de indenização securitária. No entanto, a seguradora opôs-se ao pagamento da indenização, alegando não ter ocorrido furto ou roubo, mas apropriação indébita – risco não coberto pela apólice. O Min. Antonio Carlos Ferreira esclareceu que a hipótese em análise não estaria coberta pelo seguro, por não se configurar em furto ou roubo. Daí, salientou que o risco envolvendo a não devolução de um bem por empregado (como ocorrido na hipótese) é distinto daquele relacionado ao furto e roubo. E que não é da essência do contrato de seguro que todo prejuízo seja assegurado, mas somente aqueles predeterminados na apólice, pois se trata de um contrato restritivo em que os riscos cobertos são levados em conta no momento da fixação do prêmio (art. 757 do CC). A segurada só teria direito à indenização caso tivesse contratado um seguro específico para tal hipótese de risco (o chamado seguro fidelidade, o qual cobre atos cometidos pelo empregado) mediante o pagamento de prêmio em valor correspondente. REsp 1.177.479-PR, Rel. Originário Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Para o acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 15/5/2012.


COMENTÁRIOS


Como é possível perceber pelos destaques dados ao julgado, trata-se de questão bastante singela, e que não oferece maiores dificuldades ao estudioso do Direito Civil.

O contrato de seguro está disciplinado no Capítulo XV do CC/2002, cuja Seção I é inaugurada pelo art. 757, que diz:

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

Da leitura do dispositivo, identifica-se facilmente que os riscos cobertos pelo contrato devem ser predeterminados, de modo que as partes contratantes conheçam os limites da cobertura securitária, estatuindo, reciprocamente, os direitos e obrigações de cada parte.
Na situação em estudo, tratava-se de contrato que visava garantir interesse da segurada, relativo a uma coisa (automóvel), contra o risco de furto ou roubo (situações predeterminadas).

O órgão julgador (com acerto, em nossa opinião) afastou a pretensão autoral, por não identificar a ocorrência de furto ou roubo – tese levantada pela sociedade empresária para tentar enquadrar os atos de sua ex-empregada como suficientes a ensejar o pagamento do seguro, mas de outros tipos penais que, entretanto, não estavam previstos como eventos passíveis de cobertura.

Sem pretender adentrar em matéria estranha aos nossos comentários, pedimos licença, todavia, para observar que, nada obstante, a ex-empregada da segurada praticou dois ilícitos penais, a saber: (i) apropriação indébita, ao apropriar-se do veículo do qual tinha a posse em razão do vínculo empregatício; (ii) exercício arbitrário das próprias razões, ao apoderar-se do bem para satisfazer pretensão legítima (pagamento de verbas rescisórias), fazendo justiça com as próprias mãos. Esses delitos estão etiquetados, respectivamente, nos arts. 168 e 345, do Código Penal.

Contudo, a cobertura securitária se destinava a garantir a segurada contra dois outros tipos penais: furto ou roubo, os quais, obviamente, não devem ser confundidos com os delitos acima citados, embora, no contexto fático, o efeito prático dos atos cometidos pela ex-empregada da segurada tenha sido a privação da posse do bem por parte de sua legítima proprietária. Esses dois eventos futuros e incertos é que constituíam a chamada álea do contrato.

Como bem salientado pela Turma julgadora, caso a sociedade empresária desejasse cobertura securitária contra crimes patrimoniais praticados por seus empregados, deveria ter contratado o chamado Seguro de Fidelidade. Essa é a modalidade de seguro que tem por objeto a proteção do empregador contra, v. g., apropriação indébita praticada por seus empregados. Tal definição pode ser encontrada nos manuais e prospectos de diversas seguradoras nacionais, sendo essa a hipótese que examinamos nessa oportunidade.

Naturalmente, a contratação do Seguro de Fidelidade teria objeto diverso daquele previsto no contrato originalmente entabulado entre as partes. Assim sendo, importaria em pagamento de prêmio específico, calculado de acordo com os riscos que lhe fossem inerentes etc. O que não se pode admitir é que sejam estendidas a um determinado contrato hipóteses que não guardam relação com sua natureza original.


Destarte, a nosso aviso, julgou acertadamente o colegiado ao não reconhecer o enquadramento da hipótese dos autos à situação expressamente prevista no contrato de seguro. Se assim não fosse, haveria verdadeira desconstrução da definição de contrato de seguro, além de flagrante enriquecimento ilícito da segurada, por beneficiar-se de algo que não contratou efetivamente.


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Vitor Guglinski
Advogado. Pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Ex-assessor jurídico da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG). Autor colaborador dos principais periódicos jurídicos especializados do país.

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