- Por Vitor Guglinski
Ao analisar questão envolvendo
contrato de seguro travado entre uma sociedade empresária e uma seguradora, a
Quarta Turma do STJ entendeu incabível a indenização securitária à espécie, uma
vez que tratava-se de hipótese em que a ex-empregada da segurada reteve o
veículo a esta pertencente, do qual tinha a posse autorizada, uma vez que sua
ex-empregadora não promoveu o pagamento das verbas rescisórias atinentes ao
contrato de trabalho, evidenciando a prática de exercício arbitrário das
próprias razões, bem como de apropriação indébita, mas não furto ou roubo, que,
no caso, eram os eventos cobertos pelo contrato de seguro.
Eis o noticiado no informativo
nº 497 do STJ:
EMENTA:
Quarta Turma - CONTRATO DE SEGURO. VEÍCULO. COBERTURA.
Na espécie, a
empresa segurada (recorrente) celebrou contrato de seguro de veículo com a
seguradora (recorrida) cuja apólice previa cobertura para furto e roubo. Ocorre
que uma ex-empregada da recorrente que tinha a posse do veículo segurado
(porque fazia uso autorizado dele) recusou-se a devolvê-lo à empresa, ao
argumento de ausência de pagamento das verbas rescisórias pretendidas. Após
infrutífera ação de busca e apreensão do bem junto à ex-empregada, a segurada
formalizou pedido de indenização securitária. No entanto, a seguradora opôs-se
ao pagamento da indenização, alegando não ter ocorrido furto ou roubo, mas
apropriação indébita – risco não coberto pela apólice. O Min. Antonio Carlos
Ferreira esclareceu que a hipótese em análise não estaria coberta pelo seguro,
por não se configurar em furto ou roubo. Daí, salientou que o risco envolvendo
a não devolução de um bem por empregado (como ocorrido na hipótese) é distinto
daquele relacionado ao furto e roubo. E que não é da essência do contrato de
seguro que todo prejuízo seja assegurado, mas somente aqueles predeterminados
na apólice, pois se trata de um contrato restritivo em que os riscos cobertos são
levados em conta no momento da fixação do prêmio (art. 757 do CC). A segurada só teria direito à indenização caso tivesse
contratado um seguro específico para tal hipótese de risco (o chamado seguro
fidelidade, o qual cobre atos cometidos pelo empregado) mediante o pagamento de
prêmio em valor correspondente. REsp 1.177.479-PR, Rel. Originário Min. Luis
Felipe Salomão, Rel. Para o acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
15/5/2012.
COMENTÁRIOS
Como é possível perceber pelos
destaques dados ao julgado, trata-se de questão bastante singela, e que não
oferece maiores dificuldades ao estudioso do Direito Civil.
O contrato de seguro está
disciplinado no Capítulo XV do CC/2002, cuja Seção I é
inaugurada pelo art. 757, que diz:
Art. 757. Pelo contrato de seguro,
o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse
legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos
predeterminados.
Da leitura do dispositivo,
identifica-se facilmente que os riscos cobertos pelo contrato devem ser
predeterminados, de modo que as partes contratantes conheçam os limites da
cobertura securitária, estatuindo, reciprocamente, os direitos e obrigações de
cada parte.
Na situação em estudo,
tratava-se de contrato que visava garantir interesse da segurada, relativo a
uma coisa (automóvel), contra o risco de furto ou roubo (situações
predeterminadas).
O órgão julgador (com acerto,
em nossa opinião) afastou a pretensão autoral, por não identificar a ocorrência
de furto ou roubo – tese levantada pela sociedade empresária para tentar
enquadrar os atos de sua ex-empregada como suficientes a ensejar o pagamento do
seguro, mas de outros tipos penais que, entretanto, não estavam previstos como
eventos passíveis de cobertura.
Sem pretender adentrar em
matéria estranha aos nossos comentários, pedimos licença, todavia, para
observar que, nada obstante, a ex-empregada da segurada praticou dois ilícitos
penais, a saber: (i) apropriação indébita, ao apropriar-se do veículo do
qual tinha a posse em razão do vínculo empregatício; (ii) exercício
arbitrário das próprias razões, ao apoderar-se do bem para satisfazer pretensão
legítima (pagamento de verbas rescisórias), fazendo justiça com as próprias
mãos. Esses delitos estão etiquetados, respectivamente, nos arts. 168
e 345,
do Código Penal.
Contudo, a cobertura
securitária se destinava a garantir a segurada contra dois outros tipos penais:
furto ou roubo, os quais, obviamente, não devem ser confundidos com os
delitos acima citados, embora, no contexto fático, o efeito prático dos atos
cometidos pela ex-empregada da segurada tenha sido a privação da posse do bem
por parte de sua legítima proprietária. Esses dois eventos futuros e incertos é
que constituíam a chamada álea do contrato.
Como bem salientado pela Turma
julgadora, caso a sociedade empresária desejasse cobertura securitária contra
crimes patrimoniais praticados por seus empregados, deveria ter contratado o
chamado Seguro de Fidelidade. Essa é a modalidade de seguro que tem por objeto
a proteção do empregador contra, v. g.,
apropriação indébita praticada por seus empregados. Tal definição pode ser
encontrada nos manuais e prospectos de diversas seguradoras nacionais, sendo
essa a hipótese que examinamos nessa oportunidade.
Naturalmente, a contratação do
Seguro de Fidelidade teria objeto diverso daquele previsto no contrato
originalmente entabulado entre as partes. Assim sendo, importaria em pagamento
de prêmio específico, calculado de acordo com os riscos que lhe fossem
inerentes etc. O que não se pode admitir é que sejam estendidas a um
determinado contrato hipóteses que não guardam relação com sua natureza original.
Destarte, a nosso aviso,
julgou acertadamente o colegiado ao não reconhecer o enquadramento da hipótese
dos autos à situação expressamente prevista no contrato de seguro. Se assim não
fosse, haveria verdadeira desconstrução da definição de contrato de seguro,
além de flagrante enriquecimento ilícito da segurada, por beneficiar-se de algo
que não contratou efetivamente.
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Advogado. Pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Ex-assessor jurídico da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG). Autor colaborador dos principais periódicos jurídicos especializados do país.
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